Que delícia estar com um espaço para brincar, falar de coisas bonitas, cantar, ouvir e sorrir.
Alegria, alegria, alegria. Estou muiiito alegre. Muiiito feliz porque vou contar as historinhas mais legais.
De braços abertos para receber toda a criançada.
Beijo da vovó contadora de histórias.




A lenda do peixe Dourado

A LENDA DO PEIXE DOURADO

Era uma vez uma fazenda, onde a leveza de lírios brancos e verdejantes samambaias margeavam um riacho de águas cristalinas, riscando sinuosamente o campo em torno
do estimado rancho de pau a pique construído pelo senhor Ubiratan.
A velha casa parecia o coração da floresta porque fora instalada em terra farta de fauna e flora, onde pulsa variada espécie animal, vegetal e mineral.
Palmeiras nativas, como bacuri, buriti, macaúba e bocaiúva, e árvores como figueira, jatobá, cumbaru, araticu e Ipê, entre outras, encorpam o regionalismo da fazenda
Terra da Guavira, caracterizando a privilegiada plaga.
Quanto aos bichos, era comum o som de passarinhos, bugios e macacos pregos, que viam-se facilmente,
assim como cotia, anta, cateto, jaguatirica, lobo, veado, tamanduá e outros bichos até mesmo andando pelo terreiro, onde as aves coloridas apareciam por
todo o período diurno.
A fausta beleza ecológica e a simplicidade daquele
rancho ficaram consagradas na memória do povo graças à curiosa e bela história contada de geração a geração, vindo a se propagar por todo o continente sul-americano.
Diz a história, que o senhor Ubiratan morreu quando estava bem idoso e que foi um homem feliz porque viveu plenamente sua opção por viver na simplicidade matuta.
A história diz que o senhor Ubiratan, após perder sua
esposa picada de cobra jararaca rabo amarelo, dedicou-se ao Kauê, seu único filho, que aos dezenove anos casou-se com Jussara, uma mulher sertaneja e valente. Sua nora lhe deu uma neta e permissão para a escolha do nome da mesma: Moema.
A robusta menina herdou do avô não só a tez morena avermelhada, os lábios carnudos e os fios de cabelo polidos de negrura, mas também, a sabedoria
de apreciar, contemplativamente, a sublimidade que se encontra na pureza, na rusticidade, no simples da natureza.
Moema sentia verdadeira “adoração” por
um certo pé de figo nativo, Aquela era sua árvore predileta. Ela assuntava, sem cansar-se, a imponência de mistério no tronco da frondosa árvore. Na figueira cresceu enroscada, como a dividir a mesma seiva, uma outra árvore que não era da família das figueiras.
O entrelaçamento do par de árvores não implicou na
perda das características individuais, nem causou deficiência no desenvolvimento de ambas as árvores cravadas uma à outra, em elo carnal, palpável e visível,
alimentando-se em um único prato dos nutrientes terrestres e celestiais.
Incrivelmente a mãe-natureza misturou duas famílias como a exemplificar a possibilidade de sucesso da solidariedade, união e harmonia.
O fenomenal par de árvores, ficava bem próximo ao barranco de uma represa ao leste do terreiro
do rancho. O pequeno lago era contornado por belíssimo cordão de aguapé exibindo suculentas folhas de diversos tons da cor verde, que quando florido salpicava as
margens da represa. A imagem da reserva de água, rodeada da planta aquática, lembrava um bolo de festa. Um bolo redondo com babado de renda em sua base.
Aquele açude foi heroicamente cavado pelo senhor Ubiratam para captar água do riacho, a fim de favorecer o abastecimento da moradia, e recurso para a
plantação e os pequenos animais. A água daquele açude não tinha o sussurrar de rios, mas era plácida e transbordava serenidade, e à noite refletia o céu
noturno, como se fosse um espelho de verdadeiro cristal.
Numa certa noite de lua cheia, enquanto Kauê e Jussara proseavam no terreiro, próximos ao lago, admirando a filha absorta na observação dos lumes celestes refletidos no espelho d’água, viram uma nesga de luz cortar o espaço celeste rumo à terra.
Moema percebeu o ponto luminoso destacando-se dos demais e supôs que fosse a lua.
Porém, imediatamente, reconheceu que não poderia ser a lua porque ela esta cheia. Portanto redonda. Enquanto que o ponto luminoso, que lhe chamava a atenção de maneira especial, tinha forma indefinida. Era uma incandescência de contorno irregular, mutante. A menina levantou a cabeça, em súbito gesto, e olhou para o céu.
A sequência de dois fascínios se processou tão rápido que
Moema parecia um ser com o coração no cérebro, simplesmente sentia emoção, sentia-se encantada, e deslumbrada percebia aquele foco brilhante, tão luzente,
quase ofuscando-lhe percorrer veloz das alturas sentido à terra, em direção ao lago. E aquele foco luminoso se aproximava, se aproximava, se aproximaaaavaaaa.
E, então, um estampido despertou-lhe do embevecimento. Um grande peixe surgiu do lago. Instantaneamente do spelho d’água saltou um peixe da cor da noite. O incógnito peixe flutuou enviesadamente, abriu a boca e
abocanhou o brilho voador, tornando-se um peixe amarelo dourado.
O peixe, então dourado, mergulhou de volta ao lago, enquanto Moema extasiada acompanhava-lhe com os olhos, assistindo ao espetáculo daquele inédito ser
luzente que nadava como se dançasse um bailado de rei. Um rei de ouro reluzente.
A menina, maravilhada com a cena viva que acabara de assistir, tentou interpretar a combinação do céu e terra. Seria uma mágica noturna para
uma amante da natureza? Um presente de seu amado vovô? Uma surpresa de Deus?
Os pais de Moema fizeram cada qual três pedidos à estrela cadente que viram cair. Foram então, atraídos pela iluminação que refletia do lago e em passos acelerados aproximaram-se da filha, encontrando-a totalmente absorvida com os olhos fixos no lago. Pai, mãe e filha testemunharam o espetacular fenômeno.
O lago se transformou em sagrado templo e depois daquela noite, tornou-se agradável rotina para os três, após o jantar, irem até lá para assistirem o peixe dourado. Devido ao escuro noturno o peixe exibia sua
luminosidade, parecia um ritual e a família ficava admirando o peixe brilhosos, até que o sono a aniquilasse.
Numa certa noite, quando os três chegaram para
o aprazível momento de contemplação no lago, flagraram uma consagradora surpresa: a água era um fulgor de sol. Tão iluminada que parecia haver um sol inverso, no fundo do lago. Lá fervilhava um cardume de brilhantes. Muitos
peixinhos dourados nadavam. Coreograficamente nadavam como se realizassem uma celebração.
O casal e a filha, imensamente comovidos, já não sabiam julgar qual a maior emoção vivida até esta noite, nem tão pouco imaginar maior prazer.
Ficaram, os três, degustando da beleza do inédito cenário, venerando o açude como se altar fosse e os peixinhos deuses.
Deslumbrados com o misto da magia do céu noturno e as divindades aquáticas, questionaram entre si sobre o tamanho do lago não comportar muitos peixes, especialmente caso houvesse outra leva de
jovens peixinhos. Esta foi mais uma santa noite e aquela família foi dormir com a sensação dos agraciados que se deitam nos braços da dádiva embalados por
repousante paz.
Na próxima manhã os pais de Moema estavam diferentes.
Inquietos conversavam sobre uma solução para o lago abrigar a quantidade de peixe que lá estava sendo desenvolvida. Moema, muito envolvida com todos os
acontecimentos, sugeriu uma solução:
- Se não pudermos aumentar a casa deles,
vamos mudá-los de casa! Se a montanha não vai a Maomé, Maomé vai à montanha! Não
é assim que o senhor fala pra mãe, heim pai? Podemos mudar os peixes do lago para rio...
Assim foi feito, os três trabalharam unidos facilitando a
migração dos pequeninos peixes daquele lago para o riacho, de onde eles seguiram para a imensa bifurcação e se dividiram na abundância do rio.
Hoje os peixes Dourados estão esparramados. Distribuídos nas águas fluviais, porém são despercebidos devido à
poluição. Mesmo assim quando o pescador fisga um dourado, sente-se merecedor de um troféu por causa da realeza do peixe.
Coitado do pescador, sua sabedoria não chega a tanto! Se soubesse que tal peixe é discípulo de um rei de ouro,
venerar-lhe-ia, agradeceria a oportunidade de contato e, após uma prece rogando por fortuna, devolveria o dourado às águas do rio.
Quanto ao ocorrido na Terra da Guavira, dizem que o primeiro dourado, aquele peixe grande que engoliu
a estrela cadente, nunca mais foi visto. Acreditam que no fundo do açude há uma gruta e que o peixe rei, lá se refugia em um trono de pedras, imerso em
satisfação de missão cumprida.
Acreditam que o peixe-rei é o senhor Ubiratam.
Os descendentes das famílias que conheceram o senhor Kauê, dona Jussara e a menina Moema, contam do boato que ocorreu na redondeza.
Dizem que pai, mãe e filha, em um quente crepúsculo de verão mergulharam no açude para refrescarem-se e jamais emergiram. Evento que deu crença de que a família
repousa pra sempre na gruta secreta, no fundo da represa, onde se juntaram ao senhor Ubiratam e formaram lá a mesma família unida.
Outra crença é sobre Moema. Dizem que a garota se metamorfoseou na sereia de longos cabelos negros,
vista debruçada nas pedras da velha figueira, entoando estranhas e doces melodias.
A Terra da Guavira continua bela e está preservada porque foi tombada como patrimônio histórico cultural. O lago é considerado sagrado e discretas romarias se instalam com fé nos mais diversos milagres.
Nas fases de lua cheia, casais, noivos, e solteiros cultuam os troncos que unificam as duas famílias de árvores, considerados símbolos de harmonia matrimonial.
Ao peixe-rei, invisível deus das águas, realizam-se rituais de oferendas de pedras preciosas, moedas e metais valiosos, rogando por fortuna.


FIM

(Bugra & Ferreira, 1990)